“Linha de Passe” de Walter Salles e Daniela Thomas
Se Maomé não vai à montanha, então a montanha lá terá que ir a Maomé!
Com a dificuldade em ter notícias dos nossos “correspondentes” no Brasil a “solução” passou por ir lá eu mesmo e ver um filme brasileiro.
(Claro que a história não é bem assim mas digamos que é baseada em factos verídicos)
Mais do que um filme (de uma história em movimento), a mais recente parceria de Walter Salles e Daniela Thomas, é um retrato poético, porém preciso, da realidade de muitas famílias brasileiras.
Este ensaio sobre o actual estado da sociedade brasileira aborda temos como o futebol, a droga, a religião, a precariedade laboral, o pequeno crime, a desigualdade social e financeira, a promiscuidade e, de forma global, a instituição família. Perante este contexto cada personagem tem os seus sonhos, as suas ambições mas também os seus obstáculos e os seus pecados que ajudam a desenvolver a sua personalidade, a delinear o seu futuro, a encontrarem-se uns aos outros e, sobretudo, a si mesmos.
Cleuza (prémio de Melhor Actriz no Festival de Cannes para Sandra Corveloni) é mãe solteira de 4 rapazes, mora na periferia de São Paulo, apanha 2 ónibus ainda noite para chegar todos os dias ao seu emprego de doméstica de uma “letrada” do centro da cidade e … está grávida! Apesar de todas as dificuldades e da sua própria inconsistência, ela educa os seus filhos de forma igualmente rigorosa e carinhosa, batalhando para que nada lhes falte exigindo apenas em troca correcção, educação e respeito.
Dênis, Dário, Dinho, e Reginaldo, respectivamente João Baldasserini, Vinícius de Oliveira, José Geraldo Rodrigues e Kaique Jesus Santos, procuram concretizar os seus sonhos mesmo perante as dificuldades e as tentações do dia-a-dia. A cumplicidade entre ambos é o seu grande apoio perante a enorme desigualdade que caracteriza a sociedade e que os faz retroceder a cada vitória.
Se o argumento per si já justificava plenamente a “visita” (mais não seja como forma sucinta de conhecer um pouco melhor o povo brasileiro) a realização é de facto irrepreensível, mantendo-nos em constante estado de alerta, perante a autenticidade e proximidade das imagens, das situações, das personagens.
São Paulo, e já agora o Brasil como um todo, é um espaço enorme bastante heterogéneo, onde co-habitam as mais diferentes gentes. Durante 2h podemos conhecer uma parte significativa do seu melting pot. Sem o glamour das novelas, das mansões e dos milhões o Brasil é um país diferente, mais humilde, mais barrento, mais perigoso mas também mais honesto e mais real!
Talvez demore a chegar ao nosso país. Oxalá o faça em bom tempo para que muitos possam conhecer um país diferente para lá das notícias, dos preconceitos e do futebol!