“Le Havre” de Aki Kaurismäki
Será quase escusado admitir que não fosse o convite para a antestreia e o mais natural seria não ter visto este filme.
Numa altura em que às nossas salas de cinema chegam, em catapulta, os filmes mais premiados (e nomeados) do ano, não sobra (infelizmente) muito tempo para novas descobertas.
Aki Kaurismäki, o realizador finlandês que curiosamente passa grande parte do ano no nosso país, apresenta-nos uma obra com um estilo muito próprio mas com uma temática bem simples, a solidariedade.
De forma bastante crua e elementar, o filme vai directo ao seu objectivo, mostrando as pessoas, as suas emoções e as suas acções e não se perdendo por complexidades desnecessárias.
À câmara de Kaurismäki interessa gravar as expressões, contar a sua história e deixar a margem certa para cada um juntar as pontas e explorar os seus próprios sentimentos.
Um senhor de idade, um jovem refugiado e toda uma pequena comunidade da zona portuária de Le Havre formam o epicentro de uma história sobre a origem e o destino de certas relações humanas.
O veterano engraxador ambulante Marcel Marx (André Wilms), contenta-se com o seu simples dia-a-dia na cidade e, sobretudo, com o regresso para a sua humilde casa onde a mulher lhe prepara o jantar e arruma a roupa na mais profunda caridade.
No bairro todos conhecem Marcel – fruto dos calotes que vai acumulando mas também das relações de amizade que foi cimentando – e quando a mulher adoece ninguém ficará indiferente à sua solidão. E se Marcel não tem razões para se sentir abandonado, ficará muito mais grato à sua comunidade quando se sente compelido a albergar um jovem emigrante em fuga das autoridades.
Lá, num bairro simples e modesto, onde a maioria das pessoas passa dificuldades, a ajuda ao próximo é vista como algo natural (e imperativo)… quase como uma “raison d’être“!
Apesar de não ser explícito (nem assumido) toda a mis-en-scéne remete para os anos 60/70 do século passado, altura em que Le Havre era um importante porto de ligação entre África e o resto da Europa e em que as relações humanas (entre vizinhos) tinham outro valor e relevância.
Mas se há algo que nos prende ao filme, é uma certa inocência que nos impossibilita de julgar as acções de todos os protagonistas… por mais estranhas ou imprevisíveis que elas nos possam parecer.
Le Havre fez-me lembrar a mítica série Allô Allô!. Desconheço se essa comparação é intencional ou até mesmo minimante válida mas há por ali um certo humor francês que só mesmo quem está familiarizado com o povo gaulês poderá apreciar na totalidade.
Foram 4 nomeações aos European Film Awards (Filme, Realizador, Actor e Argumento) e 3 aos Césares (Filme, Realizador e Cenário). É este o seu cartão de visita!
Está muito longe do mainstream mas isso não pode ser visto como um condicionante… bem pelo contrário!