“Médico de Província (Médecin de Campagne)” de Thomas Lilti
François Cluzet ficará para sempre associado ao seu desempenho em Intouchables, pelo menos para os espetadores nacionais.
O filme que deu a conhecer Omar Sy ao mundo do cinema vivia da cumplicidade entre os dois atores e se Omar era quase um estreante, Cluzet já tinha uma carreira invejável, pelo menos no hexágono.
Os mais acérrimos cinéfilos portugueses já o reconheceriam de Ne le dis à Personne, no nosso caso específico tinham passado apenas alguns meses desde o fascinante Les Petits Mouchoirs.
Felizmente, de lá para cá, a estratégia de distribuição do cinema europeu em Portugal, nomeadamente francês, evolui no sentido positivo, estreando a cada ano no normal circuito comercial (e não apenas em 2 ou 3 salas ou Eventos) cada vez mais filmes francófonos.
Este Médecin de Campagne é um dos beneficiados deste processo de abertura. Um filme meritório e com larga aceitação no mercado francês – visto por milhão e meio de espetadores e tendo permanecido em cartaz quase 1 ano(!!) – mas que ainda assim está longe (em termos qualitativos) dos filmes referidos acima.
Comédia dramática – o género cinematográfico que mais cresceu nos últimos 20 anos – o filme de Thomas Lilti é um misto de humor sarcástico e drama pessoal e social, resultando numa merecida homenagem aos médicos de família das regiões mais rurais que, na prática, acumulam as funções de médico com as de psicólogo, conselheiro matrimonial e financeiro, amigo, ouvinte e figura omnipresente e omnipotente. 24h por dia. 7 dias por semana.
Jean-Pierre (Cluzet) dedicou grande parte da sua vida a cuidar dos habitantes da sua região natal. Disponível a toda a hora e para qualquer situação, o médico é confrontado com a sua substituibilidade quando lhe é diagnosticado uma doença, no mínimo delicada. Apesar de aconselhado pelo seu oncologista a abrandar, Jean-Pierre tem dificuldade em acolher de braços abertos a sua nova colega. Mas Nathalie (Marianne Denicourt) não se deixa abater pelas primeiras contrariedades e à medida que vai ganhando a confiança da população local, consegue, igualmente, garantir o respeito e admiração do seu colega de profissão.
A história é realmente louvável, ou não fosse Lilti médico, para além de realizador. Infelizmente, a dada altura essa costela clínica acaba por se sobrepor às suas obrigações cinematográficas e no lugar de uma comédia mais ligeira, passamos largos minutos com detalhes demasiado sórdidos para o comum dos espetadores. Para além do desconforto da situação (que incomodará mais a uns do que a outros), o filme perde ritmo, interesse e atratividade, especialmente quando no seu seguimento, o desenlace é tratado com demasiada ligeireza e indiferença.
Fica-nos uma certa sensação nostálgica do “velho” cinema francês. Metódico, saudosista, ligeiro e humano. Mas o cinema mudou. O ritmo, a cadência, o espírito do espetador exigem algo mais do que um ensaio sobre práticas de medicina geriátrica… e a momentos é isso, e apenas isso, que o filme tem para oferecer.
Resta o calor humano, o humor sarcástico e a perseverança.
… e um filme mediano.
-
Pingback: “Dois é uma Família (Demain Tout Commence)” de Hugo Gélin – Doces ou Salgadas?