“Elis” de Hugo Prata
Se eu que nasci a mais 7.000 kms de distancia e cresci numa era em que Elis Regina já não era “mais” do que um mito, sentia a extrema necessidade de ver a sua vida e obra retratada num filme, imagino os milhões no outro lado do oceano.
A distância não me impediu, no entanto, de crescer rodeado dos seus discos e músicas, da sua voz e de uma imagem delgada e indecifrável, mas não seja pela sua partida precoce. Foi com Elis (e Caetano e Gal e Milton e Betânia e Chico e Jobim) que conheci a música e em particular a música brasileira. De Elis retive a voz e um profundo desconhecimento da sua vida.
Hugo Prata teve, então, a responsabilidade de responder a muitas desses dúvidas e (algumas certezas). Para além de contextualizar muitas das suas músicas, foi possível conhecer de perto alguns dos “segredos” que marcaram a vida da maior voz (feminina) da música brasileira. Alguns porque, por opção artística e pela sua proximidade com a família – Hugo é um dos produtores habituais dos shows de Maria Rita, por exemplo -, o filme segue uma dinâmica bastante egocêntrica, centrando atenções na figura da jovem gaúcha e nos homens da sua vida (pessoal).
Com uma visão bastante introspetiva, o filme segue com o foco totalmente em Andréia Horta. A jovem atriz brasileira tem o papel de uma vida, ao dar corpo e voz (ainda que as músicas no filme recuperem as versões originais de Elis) a um dos maiores mitos lusófonos, falecida com apenas 36 anos. Horta pode não cantar mas se Marion Cotillard ganhou um Oscar a representar Piaf e também não cantava, quem somos nós para julgar esse detalhe, no fantástico desempenho da atriz mineira.
Regra de qualquer biopic, o filme acompanha o descobrimento, os grandes sucessos e a decadência da cantora, à custa do álcool, das drogas e de uma fragilidade emocional do tamanho do seu talento. Essa fragilidade é enquadrada pelos homens na vida da cantora. O seu pai (Zécarlos Machado) que a acompanhou do Rio Grande do Sul até ao Rio de Janeiro. O seu 1º marido, o boémio Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), com quem partilhou os primeiros “loucos” anos da da sua meteórica carreira e o pianista César Camargo Mariano (Caco Ciocler) que lhe deu o conforto para a amparar mas que foi incapaz de a conter.
De fora ficaram todos os grandes nomes do meio musical e artístico brasileiro com quem Elis partilhou sucessos, conquistas e lutas. Uma lacuna demasiado evidente para não ser referida mas que se compreende em função da abordagem assumida pelo próprio realizador, os “homens de Elis”. Ainda assim, só mesmo a proximidade entre o realizador e a família permite perceber como foi possível fazer um filme sobre uma figura tão carismática, segura de si mesma e desbocada sem causar polémica, desconforto ou frisson. Não sei, até, se a própria Elis iria aprovar uma versão (da sua própria vida) tão consensual.
Foi tão bom conhecer, nem que seja um pequeno pedaço, da vida de Elis Regina. Acredito que do outro lado do Atlântico, a emoção dessa descoberta seja bem mais latente e latejante. O filme pode ser mais pacífico do que seria expectável (ou exigido) mas o sentimento está todo lá… e a música, também!
Elis era maior do que si mesma. Disso não restaram dúvidas!