“Derradeira Viagem (Last Flag Flying) de Richard Linklater”
Há algo de muito errado com a indústria cinematográfica norte-americana ou portuguesa (o nosso mea culpa, igualmente) quando uma comédia dramática com o cunho pessoal de Richard Linklater e recheada por um trio de brilhantes atores como Steve Carrell, Laurence Fishburne e Bryan Cranston estreia (tanto cá, como por lá) sem qualquer comoção ou alarido.
De idolatrado pelas massas, pelos críticos e pelos amantes do cinema (em sentido literal) graças à trilogia Before (Sunrise, Sunset e Midnight) e ao inigualável Boyhood, o realizador texano retomou, com idêntica simplicidade, ao seu mundo muito pessoal.
Com Everybody Want Some!!, Linklater voltou ao universo conceptual de um dos seus primeiros filmes, Dazed and Confused, e, agora, prossegue o seu percurso muito próprio com mais um brilhante argumento, recheado de momentos emotivos, bem humorados e contundentes.
Um trio de antigos marines volta a reunir-se, de forma algo surpreendente, para acompanhar um deles num momento complicado da sua vida. Doc (Carrell) prepara-se para viajar até Washington para recuperar o corpo do seu filho, caido no Iraque. Pelo caminho irá “recrutar” dois dos seus antigos camaradas de armas, Sal (Cranston) e Mueller (Fishburne).
Estamos em 2003 e os veteranos da Guerra do Vietnam sentem enormes dificuldades para acomanhar esse novo mundo eferevescente que começa a despontar, ao mesmo tempo que tentam reconciliar-se com o seu passado.
Não é tanto o choque de gerações ou a crítica aos imtocáveis dogmas norte-americanos como a (necessidade de estar em) guerra, a justiça, o poder militar ou político. É, sobretudo, a forma magistral como no mesmo segundo conseguimos estar a rir e a chorar de uma dada situação ou frase. É o argumento meticuloso de Linklater, que retira de cada um dos protagonistas o melhor que tem para oferecer e dá-lhes espaço para deixar um registo memorável.
De tão singelo e profundo, Last Flag Flying corre o risco de passar totalmente despercebido. Seguramente um dos melhores argumentos do ano, tem passado ao lado da temporada de prémios e, em última análise, quem perde é mesmo o espetador.
Com a exceção do nosso país (e dos EUA) o seu percurso comercial só este mês se inicia. Esperamos sinceramente que obtenha o reconhecimento que merece! Fica, da nossa parte, a singela contribuição para que tal aconteça.
Linklater continua a ser um dos grandes contadores de histórias norte-americanos com uma habilidade indecifrável para tornar histórias aparentemente simples em grandes filmes. É altamente curioso porque não consegue congregar em torno de si o mediatismo de outros autores com igual ou menor talento.
Muito, muito bom!