“Todo o Dinheiro do Mundo (All the Money in the World)” de Ridley Scott
Porque há histórias reais que vão muito além da nossa imaginação.
Por essa e por outras razões, ficou-nos realmente a ideia de que haveria aqui material para ir mais longe, que é como quem diz, para mais nomeações e prémios.
Ridley Scott conceituado realizador, entre outros, de Gladiator, Alien ou The Martian, mudava substancialmente de registo, ao apostar num filme mais humano e real do que habitual.
Porém, o talento e a experiência de um cineasta com mais de 40 anos de rodagem não seria questionado pela recriação exemplar dos anos 70, pelo dramatismo mediático da história verídica que retratava nem, tão pouco, pelo ar feroz, frio e desumano de uma figura como J. Paul Getty. Bem pelo contrário.
Ainda antes da polémica já se comentava que Kevin Spacey seria, muito provavelmente, nomeado pelo seu desempenho como velho avarento, rabugento e bilionário.
Depois chegaram as revelações, as confissões e as ostracizações. O veterano Christopher Plummer assumiu o papel secundário em substituição de Spacey e o elenco regressou para prestar homenagem às vítimas, ao trabalho de todos os envolvidos e ao próprio filme que Ridley Scott tinha concretizado.
Plummer chegou aos prémios, num misto de reconhecimento ao filme, ao momento e, em abono da verdade, ao seu fantástico desempenho. Após 15 dias de trabalho.
Mark Wahlberg e Michelle Williams têm mais um filme para colocar (bem alto) no currículo. Mais ela do que ele, por ventura, mas Scott conseguiu realmente transportar o espírito dos anos 70, o despudor de uma figura única como J. Paul Getty e o inferno ultrapassado – sabe-se lá com que consequências – pelo seu neto.
Meados dos anos 70. O neto (Charlie Plummer) do homem mais rico do mundo, J. Paul Getty (Plummer), é raptado em Roma e rapidamente enclausurado numa zona montanhosa no sul de Itália. O resgate, 17 milhões de dólares.
Apesar do suplico da nora (Williams), Getty limita-se a chamar um dos seus homens de confiança, o ex-agente secreto Fletcher Chase (Wahlberg), para acompanhar o trabalho da polícia e encontrar o seu neto, recusando-se inabalavelmente a pagar o valor exigido pelos raptores.
É um filme sobre um homem, sobre um acontecimento, sobre a razão por detrás da emoção. Mesmo que essa razão seja mais subjectiva do que qualquer emoção. J. Paul Getty era um homem à frente do seu tipo. Nas boas e nas más decisões. Christopher Plummer consegue obrigar-nos a simpatizar com ele, com as suas decisões e com as suas emoções. Mas é capaz, igualmente, de desmascarar a figura e as limitações de raciocínio do, então, “homem mais rico do mundo”.
Ridley Scott constrói uma narrativa poderosa e ambígua. Em vários momentos conseguimos partilhar com as diferentes personagens as suas emoções e dúvidas, muitas vezes contraditórias entre si. Não há, propriamente, heróis nem vilões. Há pessoas com as suas prioridades, com a sua forma de pensar e com as suas limitações.
A história é realmente fantástica. Os desempenhos, também. A realização não lhe fica atrás.
Talvez, talvez apenas, se nos tivessem mantido à margem dos acontecimentos, teríamos sentido ainda mais o drama e o trauma dos principais envolvidos. Mesmo que se tornasse demasiado doloroso de ver.
Grande filme!
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