“Parasitas (Gisaengchung aka Parasite)” de Joon-ho Bong
O cinema sul-coreano está longe de ser a nossa especialidade. Já do cinema sul-coreano de qualidade temos uma ou outra referência.
Em 2016, The Age of Shadows foi um dos filmes a confirmar a vitalidade e pujança do cinema a sul do paralelo 38º, numa história verídica sobre os meandros da espionagem e da revolução coreana da década de 20, do século passado.
Claro está, que a fasquia agora é outra. Se o filme de Jee-woon Kim deu nas vistas, este Gisaengchung ganhou a Palma de Ouro em Cannes e prepara-se para ser um dos nomeados (senão o vencedor) do Oscar® de Melhor Filme Estrangeiro.
Depois de marcar posição com o enigmático Okja, o realizador Joon-ho Bong deixa a fantasia para abordar a mais pura e crua realidade do seu país. O hiato entre as enormes mansões da zona alta e os sujos bairros de lata de Seul, é o cenário delicioso para um mordaz e violento retrato de uma sociedade sem heróis nem vilões, nem inocentes nem culpados, sem críticas ou elogios.
Bem, não será totalmente assim, uma vez que Bong aproveita para de forma satírica mas rigorosa, colocar a nu as enormes lacunas de um país que também é o seu. Fá-lo, no entanto, sem tomar partidos ou assumir juízos de valor.
A família Kim vive na sua amorfa cave com uma janela para o chão de rua, sem grandes sonhos ou meios. Biscates é a única ocupação que pai, mãe e os dois filhos adolescentes encontram para arranjar algum dinheiro e matar a fome.
A família Park vive numa mansão extraordinária, com tudo o que o dinheiro pode pagar e com o amor que aos poucos consegue fomentar.
A lábia de uns e a ingenuidade de outros irá juntar estas duas famílias num portentoso contraste de recursos, estilos e ambições. O frágil mas sincero equilíbrio será apenas abalado por algo surpreendentemente assustador.
Até certo ponto, Parasite (no título internacional) é aquilo que Us deveria ter sido. Cada um com a sua forma e estilo – a obra de Jordan Peele naturalmente mais violenta e aterradora – mas ambos num retrato muito particular da capacidade do ser humano em se colocar no lugar do outro e, ao olhar para si mesmo, sentir-se desarmado e desiludido. Ou pelo menos, absorto.
Apesar da empatia e da admiração, não lhe chamaria o “melhor filme do ano”. Para isso necessitava de um final retumbante, mais inteligente e decisivo.
Sem dúvida que na categoria retrato social e humano, seria o principal candidato à menção. Por ventura extensível à última década. Mas fica a clara sensação que o clímax antecedeu em demasia o desenlace final, deixando no ar a sensação que ficou algo por dizer.
De qualquer forma, um dos grandes filmes do ano. Seguramente.
Especialmente para quem aprecia um cinema mais enigmática e autêntico.
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