“Belfast” de Kenneth Branagh

O filme auto-biográfico de Kenneth Branagh pode muito bem ser a sua maior obra-prima, num reflexo profundo sobre uma era, não muito distante, nem assim tão diferente na nossa. Tempos em que estranhos caminhos foram forjados, num mundo de grande incerteza e pouca esperança.

Belfast, capital da Irlanda do Norte, foi, durante décadas, palco de um dos conflitos mais sangrentos e bizarros da história. A mera opção religiosa, entre católicos entre protestantes, servia de pretexto para destruir lares, vidas, sonhos e, sobretudo, o sossego de dezenas de milhares de norte irlandeses inocentes e totalmente alheios a essa disputa. Tais como Frances e Bill Branagh.

Na inocência dos seus 7/8 anos Buddy (Jude Hill) vê no seu bairro de Belfast o palco ideal para as suas aventuras e descobertas. Porém, esse pedaço do Ulster, tornar-se-á num dos epicentros da “guerra” entre católicos e protestantes, sem que muitos dos seus habitantes tenham sequer percebido como tudo começou.

Quase sempre a partir do olhar do jovem maroto, vamos acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, com a certeza que inevitavelmente a realidade desse tempo seria bem mais violenta do que o seu olhar inocente nos permite ver.

E se a História cumpre a sua função, a nível técnico/visual, o filme supera as expetativas. A opção pela película a preto e branco transporta-nos automaticamente para outros tempos, enquanto os desempenhos de um elenco de grande qualidade – Caitriona Balfe, Jamie Dornan, Judi Dench e Ciarán Hinds – tornam a viagem pelos “livros da História” e pela infância do próprio Kenneth Branagh, ainda mais primorosa e autêntica.

Apesar da temática algo tensa, recordamos bons velhos tempos, em que tudo era simples e direto. Quando vizinhos eram quase família, a liberdade era adquirida com a entrada na escola e as brincadeiras saudáveis e descomplexadas.

O “nosso” mundo era ali, na rua, no prédio, no bairro. E éramos tão felizes… quanto Buddy.
No matter what!