“Com_Paixão (The Mercy)” de James Marsh
Nunca é fácil quando um filme revela-se bastante diferente do que estávamos à espera!
A velha questão das expetativas e da subjetividade perante a objetividade, tolda, necessariamente, o nosso discernimento e dificulta a análise. Pelo menos no imediato.
Relativamente a este The Mercy, a primeira reação foi de total desagrado ao sair da sala. Mas, lá está, quando um filme de aventuras se revela um drama psicológico é difícil, a quente, digerir o que acabámos de ver.
Não pode ser avaliada, de forma leviana, o alcance deste filme. Se o início parecia antever um retrato de superação humana, de expiação de demónios e de confronto com a natureza, o resultado é algo bem mais denso e complexo. Donald Crowhurst, por mais incrível que possa parecer, é uma figura real, um velejador amador que fruto da sua sagacidade e persistência se viu confrontado com uma situação inaudível. E estávamos nos anos 60.
Ou seja, podemos sempre questionar o tom e o rumo da História mas não podemos discutir, nunca, o seu desenlace. Foi isto que realmente aconteceu!
Donald Crowhurst (Colin Firth) era um mero velejador amador, cuja paixão pela navegação e o engenho tinham permitido o desenvolvimento de uma série de aparelhos inovadores. Apesar da sua imaginação, o negócio estava mergulhado em dívidas e dúvidas, até que os cantos das sereias o chamaram. A primeira travessia a solo do globo, sem paragens, era o desafio proposto pelo Sunday Times. Juntamente com outros 8 velejadores, Donald lançou-se ao mar num barco desenhado e construído por ele próprio. O que se seguiu é uma história digna dos livros.
Se Rachel Weisz inicia e, sobretudo, remata o filme com profunda qualidade, é Colin Firth quem o carrega nas costas. A sua personagem é, de facto, algo dúbia, preferindo James Marsh manter-se (e manter-nos) à margem de qualquer consideração definitiva relativamente ao Crowhurst real. Mas, a solo, o ator inglês consegue, plenamente, manter-nos na vertigem sem saber o que esperar, sem saber o que pensar, sem ter uma opinião única sobre o sujeito.
Mantendo-se fiel ao seu estilo Marsh mantém-se o mais próximo da veracidade possível. Aliás as suas origens dos documentários dificilmente permitiriam outra postura. Pessoalmente, neste caso, teria preferido uma visão mais própria e subjetiva, dando caracter e densidade a uma história recheada de dúvidas, incertezas e questões por responder.
Mas se vezes sem conta criticamos os cineastas (norte-americanos) por adulteraram a verdade em nome do cinema, não seria justo fazer, agora, o contrário.
É de facto uma história incrível. E uma obra fiel à mesma.
Só não é um filme de aventuras e bravuras.(ponto)